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Envolve o peixe-boi-marinho, mamífero aquático mais ameaçado de extinção do país,são exportados para o Caribe |
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A exportação de cinco espécimes de peixes-bois-marinhos (Trichechus manatus) para Guadalupe, território da França no Caribe, gerou polêmica entre pesquisadores do Brasil. Entretanto, especialistas afirmam que a cooperação é um equívoco científico, levado à frente na marra pelo governo, movido por dificuldades financeiras e que trará maus resultados para a conservação da espécie. Para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o programa é uma contribuição do Brasil à conservação do peixe-boi no mundo.
Os cinco peixes-bois se chamam Netuno, Xuxa, Sereia, Marbela e Toquinho. Neste mês eles serão transferidos do Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA), em Itamaracá (Pernambuco), para o Parque Nacional de Guadalupe. Serão os primeiros do programa de reintrodução da espécie promovida pelo governo francês. Há mais de 100 anos os peixes-bois foram extintos na ilha caribenha.
No dia 22 de maio de 2014, a ministra Izabella Teixeira anunciou o acordo de cooperação e pegou os especialistas brasileiros em peixes-bois-marinhos de surpresa. "Ficamos sabendo pela imprensa", afirma a oceanógrafa do Instituto Mamirauá, no Amazonas, Miriam Marmontel. Segundo ela, após tomar conhecimento da decisão, um grupo formado por 17 conservacionistas enviou carta ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), Ibama e ICMBio solicitando que especialistas fossem ouvidos. Esperaram quase um ano, sem resposta.
Em março desse ano, o grupo pediu auxílio ao Ministério Público Federal e afirmou que havia dúvidas sobre a transferência que precisavam ser sanadas. O Ministério Público iniciou um processo e marcou audiências. Nelas, o ICMBio e o Ibama forneceram explicações consideradas satisfatórias e o processo foi arquivado.
Legalmente correto, ambientalmente duvidoso
A transferência de animais está prevista na Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção (CITES), tratado internacional do qual o Brasil é signatário. O Ibama é a autoridade administrativa e o órgão que emite a licença para a exportação dos animais. Já o ICMBio age como autoridade científica e emite os pareceres técnicos.
"Legalmente, o processo foi correto. Ao mesmo tempo, as próprias partes envolvidas são as partes interessadas. Elas falam entre si sem nenhuma revisão por pares, nenhuma avaliação por pesquisadores. Os pesquisadores que avalizaram a transferência são pesquisadores do próprio Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA). Ignoraram todos os outros que sempre são chamados para participar de reuniões, para dar aval ao PAN [Plano de Ação Nacional para Conservação dos Sirênios]", disse Miriam.
O coordenador-geral de Espécies Ameaçadas do ICMBio, Ugo Eichler Vercillo, afirmou que o processo de transferência foi legal e explicou porque os pesquisadores não foram ouvidos: "[Ibama e ICMBio] são dois órgãos distintos do governo. Questionados pelo Ministério Público, apresentamos os pareceres e os documentos exigidos. O Ibama deu a autorização e nós emitimos o parecer sobre o processo".
Divulgada nesta quarta-feira (8), pelo Instituto Mamirauá, especialistas brasileiros em mamíferos aquáticos elaboraram uma nota técnica, em março, para que instituições públicas federais revejam a decisão de transferir os peixes-boi marinhos. Segundo a nota, há poucos indivíduos distribuídos de forma fragmentada ao longo do litoral brasileiro e a transferência representaria a remoção de uma parcela significativa de peixes-boi do país.
Segundo a líder do Grupo de Pesquisa em Mamíferos Aquáticos Amazônicos do Instituto de Desenvolvimento Mamirauá, Miriam Marmontel, uma das especialistas que assina o documento, o envio dos animais brasileiros representa um retrocesso para a conservação desses animais.
"Com a proposta de envio de representantes de nosso patrimônio natural nacional, até dezembro de 2014 considerados criticamente ameaçados, os governantes repassam à comunidade científica e ao público em geral uma lastimável mensagem de desinteresse pela fauna nativa do país e desconhecimento dos preceitos mais básicos de biologia da conservação. Antes de voltar os olhos para o além-mar, o Governo Brasileiro deveria envidar os maiores esforços e investir significativos recursos na melhoria de recintos de reabilitação e na destinação destes animais a um programa de repovoamento de nosso próprio litoral", pondera. Com ela, 30 pesquisadores assinaram a nota técnica.
No Brasil, o peixe-boi-marinho é o mamífero aquático mais ameaçado de extinção. A razão principal é a perda de habitats devido a expansão urbana no litoral e ocupação das zonas costeiras. Há duas estimativas oficiais para o tamanho da população: uma que afirma que no país existem 500 espécimes e outra que afirma que existem mil.
O ICMBio usa a segunda estimativa e alterou, ano passado, a categoria da espécie de 'Criticamente Em Perigo' para 'Em Perigo'. Segundo o vice-presidente da Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), Alberto Campos, a mudança de categoria foi feita "sem dispor de dados concretos para justificar tal decisão".
"Até hoje, apesar de décadas de atuação do projeto peixe-boi, ainda não existe uma pesquisa robusta que indique a população total remanescente no Brasil. Sabemos que a espécie foi extinta em vários estados do Nordeste e Sudeste, e o que restou está sob grave ameaça de desaparecer para sempre", disse Campos.
Os pesquisadores temem que a ida dos animais, além de prejudicar o programa de reintrodução da espécie na costa brasileira, possa interferir na reprodução dos peixes-bois dos países caribenhos, já que as duas populações são distintas (embora sejam da mesma espécie) e estão separadas há mais de 100 mil anos. Na nota enviada a imprensa, o Instituto Mamirauá completa: "Os espécimes que habitam a costa brasileira apresentam baixa diversidade genética e não compartilham haplótipos, ou seja, os blocos de DNA transmitidos em conjunto para os descendentes, com animais do Caribe. Sendo assim, tornam-se inadequados para um programa de reintrodução em Guadalupe".
Desta forma, o cruzamento entre populações diferentes pode ocasionar a chamada depressão exogâmica, quando a diferenciação genética da adaptação da espécie para o local onde vive desaparece devido ao cruzamento com uma populações diferente. |